Núcleo de comunidade Ambiental

Em agosto de 1996, por convocação do Secretariado Arquidiocesano de Guatemala, reunimo-nos, um grupo de coordenadores de Cursilhos e coube a mim dar uma palestra sobre a Essência e Finalidade do MCC. Eu o fiz partindo, naturalmente, da definição vigente desde o primeiro Encontro Latino-americano realizado em Bogotá, Colômbia no ano de 1968, e que foi acolhida por Ideias Fundamentais.

Nessa reunião, foi motivo de múltiplos comentários a frase final da definição que diz: “...e PROPICIAM A CRIAÇÃO DE NÚCLEOS DE CRISTÃOS QUE FERMENTEM DE EVANGELHO OS AMBIENTES”.

Claro que essa frase já era muito conhecida, porém nunca antes, que eu saiba, esses núcleos haviam sido motivo de inquietações, discussões e estudo por parte de nossos dirigentes. Em novembro de 1996, o Secretariado convidou-me para dar uma palestra em uma sessão extraordinária da Escola de Dirigentes na qual eu deveria expor o que já se havia investigado sobre o tema. Depois desse evento, despertaram-se interesse e empenho inusitados para descobrir o verdadeiro sentido desses núcleos: como devem integrar-se, para que devem existir, quando devem ser criados, com qual projeção, etc.. Sei que essa inquietação é partilhada, hoje em dia, por vários Secretariados Nacionais e nos dá a impressão de estarmos despertando depois de um profundo sono.

O Secretariado Arquidiocesano solicitou a um Grupo de Reflexão da Escola de Dirigentes a que pertenço que realizasse um estudo profundo sobre estes núcleos, o estamos fazendo com grande entusiasmo, embora ainda não tenhamos chegado a conclusões e recomendações finais. Quando entregarmos o trabalho, recomendaremos ao Secretariado que o analise, emende-o e aprove-o, pondo-o, em seguida, à disposição da Escola de Dirigentes para que o Movimento na Arquidiocese o assimile e o assuma; e que oportunamente, proponha-o ao Secretariado Nacional para que, se for aceito, possa desencadear o mesmo processo em todas as Dioceses da Guatemala.

O que vai ser lido, em seguida, nada mais é do que um resumo da palestra já referida, bem como de algumas ideias que foram surgindo e que temos partilhado com o grupo de reflexão. Portanto, todo o conteúdo do artigo é, por ora, opinião estritamente pessoal do autor.

Esse assunto - a criação de núcleos de cristãos que fermentem de Evangelho os ambientes - não foi assumido com a necessária profundidade. Entretanto, estes núcleos são vitais para que o MCC possa realizar sua finalidade última, para o qual foram criados os Cursilhos, ou seja, fermentar de Evangelho os ambientes provocando neles uma mudança a favor de Cristo: mudança nas estruturas e na sociedade completa, até conseguir alcançar a missão deixada aos cristãos pelo próprio Cristo, ou seja, a de estender seu Reino entre os homens.

Sobre esses núcleos como fermento evangelizador, muito se escreveu desde os inícios do Movimento. A princípio falava-se em vertebrar cristandade; depois, de estruturação cristã da sociedade, de impregnar de Evangelho os ambientes e as estruturas... Agora falamos de evangelizar os ambientes. É tudo a mesma coisa, são diferentes, apenas os modos de expressar essa mesma finalidade. Finalidade que não se consegue senão por meio de grupos, comunidades, equipes, ou seja, através dos núcleos aos quais agora nos referimos.

Sejamos francos, porém: esse é um assunto que ainda não compreendemos! Mesmo sabendo que ele nos compromete numa árdua tarefa, temos preferido “fazer vistas grossas” e refugiarmo-nos em nossa Reunião de Grupo.

Já na Carta Pastoral de Mons. João Hervás “Os Cursilhos de Cristandade, instrumento de renovação cristã” aparece o conceito e o chamado à “vertebração da cristandade” assim descrito: “(...) Os Cursilhos de Cristandade, buscando e forjando peças necessárias e imprescindíveis, situando-as no seu exato lugar numa função concreta e pessoal e vinculando-as organicamente entre si para que rendam eficazmente para dentro e para fora, estruturam e vertebram cristandade”.

O Padre João Capó, um dos primeiros ideólogos do MCC, assinala em um dos seus numerosos escritos sobre Cursilhos: “vertebrar cristandade significa construir ordenadamente, buscando a peça exata para cada lugar e o lugar exato para cada peça.”

Esses “lugares” são os ambientes; essas peças somos nós, os que tivemos a felicidade de experimentar um encontro com o Senhor num Cursilho de Cristandade. A partir daí estamos num processo de conversão e temos a responsabilidade de procurar “nosso lugar exato”.

Temos que nos convencer de que sem estes núcleos os Cursilhos não penetram, não se fazem sentir na sociedade, não são capazes de cristianizar nenhuma estrutura, nem a política, nem as artes, nem a cultura, nem a educação, nem a indústria, nem o comércio, nem os meios de comunicação, nem os diferentes estratos econômicos, nem os sindicatos... Entretanto é esse, precisamente, o objetivo principal para o qual os Cursilhos de Cristandade existem.

Os Cursilhos não existem para evangelizar a paróquia ou para que os cursilhistas criem novos movimentos na Igreja. Embora esse trabalho por si mesmo seja merecedor de elogios, não é essa sua finalidade última. São para algo muito mais amplo; são para propiciar, sem nenhum exagero, a salvação deste mundo profundamente enfermo, inseridos e comprometidos com a pastoral dos ambientes. Enquanto o MCC não se encaminhar para essa grande conquista, poderá continuar sendo um precioso presente do Espírito Santo para os homens. Colocado nas mãos dos homens, esse é um presente que não temos sido capazes de descobrir; diria eu que nem sequer desembrulhamos.

Essa verdade soa muito dura para muitos que acham que não é tanto assim; que os Cursilhos foram transformando, sim, os ambientes para Cristo, que mudaram muitas famílias, centros escolares, setores determinados, etc.. Permito-me dizer a eles que, de fato, fizeram muito bem para a humanidade e que, sim, mudaram muitos ambientes. Digo-lhes, porém, que isso nunca será suficiente, ou que, mesmo parecendo suficiente, poderia e deveria estar melhor... Porque, repito, os cursilhos existem para algo muito maior. A Igreja, e sobretudo seu Divino Fundador Jesus Cristo, estão esperando por alguma coisa muito melhor.

Senão vejamos: nos últimos trinta e cinco anos, desde que existem os Cursilhos na Guatemala, somente na Arquidiocese demos 178 Cursilhos para homens e 152 para mulheres; calculando a média de 35 pessoas por Cursilho, em 335 Cursilhos atingimos 11.550 pessoas; em todo o país talvez umas 25.000 pessoas. De acordo com os princípios do pré-cursilho é de se supor que fomos escolhidos por ser líderes em nosso ambiente e, como consequência, agentes de mudança. As perguntas que se fazem, então, são: “Temos conseguido, ao menos, que diminua a criminalidade? Que haja menos corrupção? Que haja justiça social? Que melhorem os meios de comunicação social? Há mais amor entre os seres humanos?” Parece-me que a resposta honesta deveria ser um rotundo NÃO. Claro está que não se trata de afirmar que o MCC tenha que fazer tudo isso sozinho; a Igreja é grande, possui outros movimentos e recursos; porém reflitamos: temos feito nossa parte? E então: será que fomos bem selecionados por nossos padrinhos? ou será que não procuramos candidatos líderes?

O que acontece, então? Tentarei dar uma resposta a essas interrogações. Há três causas fundamentais que enfraquecem a projeção do Movimento, a saber: primeira: não atendemos adequadamente ao pré-cursilho: não buscamos nossos candidatos com o critério da eficácia; não buscamos e convidamos o candidato que “deve ir” mas o que nos “cai bem”, nosso parente, cunhado ou amigo, ou alguém que desejamos que mude seus maus hábitos; não nos interessa se, depois, será ou não um agente de mudança no seu ambiente para evangeliza-lo. Muitas vezes, então, quando o convidaram para o Cursilho não foi Cristo que triunfou; quem triunfou foi nossa preguiça.

Segunda: os “rollos” do cursilho, assim como os temos na Guatemala, provocam no participante uma visão estreita do que é “ambiente”. Falamos a ele, com exagerada ênfase, do SEU ambiente de família, do SEU ambiente de trabalho, do SEU ambiente de amizade. Quase lhe dizemos: ”cuidado para não pensar que existem outros ambientes”. Estou exagerando um pouco, mas é para que me entendam, amáveis leitores: quero dizer que somos inclinados a esse reducionismo e, em conseqüência, a insistir que ele seja fermento de Evangelho nesses três ambientes aos quais deve voltar; mostramos a ele um mundo pequeno, o seu, que ele deve evangelizar. Não lhe facilitamos, porém, a visão de um amplo horizonte do mundo que tem sede de Cristo e, além disso, não conseguimos motivar nele um espírito comunitário. Então, estamos colocando barreiras à verdadeira e esperada projeção do MCC. Deve-se revisar o Cursilho três dias.

Terceira: como não são buscados candidatos “vértebras” e como os que fazem o Cursilho saem dele pensando unicamente nos seus três “ambientezinhos” [2] naturais nos quais agem de forma individualista, como franco-atiradores, não se consegue a criação de núcleos que realmente penetrem e fermentem de Evangelho os ambientes e, dessa maneira, jamais os Cursilhos hão de alcançar sua finalidade última.

E sabem o que mais? Sempre confundimos as Reuniões de Grupo com os núcleos de fermento do Evangelho. Talvez os iniciadores pensassem que dava na mesma; porém nós nos demos conta de que o mundo de hoje é diferente; mudaram os costumes, os hábitos de vida, as culturas; se assim foi a mentalidade, isso hoje em dia não é mais correto; as reuniões de grupo não são necessariamente os núcleos de fermento de Evangelho. Hoje em dia não é para isso que existem as reuniões de grupo.

Claro que essa confusão pode acabar sendo muito cômoda; porém, continuar fazendo Cursilhos para que as pessoas façam reunião de grupo e nela se refugiem, não é nem o que o Senhor e nem o que a Igreja esperam do Movimento. Que é bom fazer reunião de grupo, ninguém duvida; quero dizer, porém, que isso não é tudo; que não termina aí a missão para a qual Cristo conta conosco. Salvo se como exceção, alguma reunião de grupo constitua um núcleo por suas características próprias.

A reunião de grupo pode ser um grupo de amigos que se tornem cada vez mais amigos entre si e mais amigos de Cristo, e que cada vez mais se comprometam com a Igreja; a reunião, porém, é composta de pessoas que, hoje em dia, vêm de diferentes ambientes; essa reunião, então, deve ser como um porta-aviões de onde decolamos, depois de “esquentar os motores”, em direção aos nossos respectivos ambientes, onde existem núcleos fermentadores de Evangelho que nos esperam. É em nosso ambiente ou comunidade, que está o nosso compromisso batismal firmado com o Senhor, com amor e liberdade absoluta; é ali que devemos ir para facilitar a formação de núcleos ambientais; não importa que sejam formados por cursilhistas e não cursilhistas. Trata-se de que seja um núcleo de cristãos comprometidos, que amem a Cristo e que desejem, fervorosamente, que outros O amem e O sirvam.

Se lermos a fundo “Ideias Fundamentais”, vamos chegar à conclusão de que a maior parte de seus capítulos fala-nos da necessidade de criar núcleos para fermentar de Evangelho os ambientes. Com diferentes frases e palavras, sempre, porém, referindo-se à consecução da finalidade última do MCC, os capítulos sobre “Mentalidade”, “Essência e Finalidade”, “Método e Estratégia”, “Pré-Cursilho”, “Cursilho” e “Pós-Cursilho” nos repetem à saciedade essa ideia.

A criação desses núcleos, mais que importante, é essencial no MCC; isto pode ser afirmado sem medo de errar.

É natural que tudo isso provoque a interrogação do “COMO” e outros questionamentos. Tento dar uma resposta: de fato, já existiram esses núcleos, devido aos anseios apostólicos de muitos bons cursilhistas; em fábricas, centros hospitalares, algumas instituições estatais, etc. Penso, entretanto, que se fez um trabalho empírico, não sistemático e metódico como deveria ser feito. Sou de opinião que, na criação dos núcleos, primeiro devemos planejar quem os formarão; busca-los, “vender-lhes a ideia”; vincular organicamente o grupo e de maneira permanente; traçar objetivos concretos e que estejam de acordo com o ambiente ou a comunidade a evangelizar. Poderá ser um condomínio, um ambiente de trabalho, um povoado (pequena vila), uma paróquia, uma empresa, uma instituição, uma estrutura. Os planos de evangelização devem ser concretos e adequados. Em alguns casos a evangelização será uma obra social; em outros, estudo bíblico; em outros, alfabetização; poderá ser o ensino do catecismo, da Doutrina Social da Igreja; isto é, o “que fazer” do grupo pode ser tão diverso como diversas são as carências e necessidades do ambiente, comunidade ou estrutura a evangelizar.

Para tudo isso, temos que dar asas à nossa criatividade; não esperemos receitas ou fórmulas porque estas não existem e nem vão existir. A única regra poderá ser a de Pe. Capó: “buscar a peça exata para cada lugar e para cada peça o lugar certo”.

Compreendo que este artigo haverá de provocar muitas inquietações. Oxalá assim seja! E talvez a maior interrogação será: mas... como se começa? quem vai faze-lo? a quem procurar?. Procuro ilustrar com um exemplo: pensemos numa Ultreia cujos participantes estejam bem mentalizados sobre a imperiosa necessidade de criar estes núcleos evangelizadores; pensemos que dela participam uns cinco engenheiros, quer dizer, da mesma agremiação ainda que de diferentes ambientes. Eles procuram encontrar-se, reúnem-se, trocam ideias sobre suas inquietações apostólicas; decidem constituir-se como núcleo evangelizador na associação de Engenheiros e, por extensão, da construção. Cada um deles realiza sua tarefa e, por sua vez, reúne outros três ou quatro amigos da associação: um ou dois do que participaram uma vez de Cursilho ou mesmo dos que não participaram, mas que sejam pessoas com atitude a aptidão adequadas. Formam um núcleo evangelizador. Se cada um do primeiro grupo fizer o mesmo, teremos já uns cinco núcleos que vão dando frutos. Da mesma forma pode isso acontecer com outras agremiações ou pessoas que tenham atividades similares. Por exemplo, "visitadores médicos". [3] Ou então, qualquer núcleo poderá nascer independentemente da Ultréia; pode surgir num hospital, num meio de comunicação concreto, numa empresa, etc. O importante é que se mantenha sua vinculação orgânica e permanente até preencher seu objetivo.

Ofereço, caso a direção da Revista Fé concorde, continuar colaborando sobre o tema. Escreverei eu mesmo ou qualquer outra pessoa daqui. Queremos, porém, inquietar nossos irmãos da América para que o MCC se abra nesse sentido; para que o MCC chegue a ser um instrumento eficaz de renovação cristã; instrumento esse que se deixe perceber na sociedade e que, como lhe foi confiado, consiga estender o Reino de Deus entre os homens.

[1] Artigo publicado pela Revista FÉ (OLCC = Oficina Latinoanericana de Cursillos de Cristiandad, Guatemala) em número sem indicação de data. Recebido pelo GEN em meados de jul/98. Traduzido por Pe.Beraldo e revisado por Maria Elisa Zanelatto.

[2] Em espanhol “ambientitos” no sentido de redução das possibilidades evangelizadoras do cursilhista

[3] categoria profissional na Guatemala, similar aos para-médicos.